Eu me chamo Ana (Laura) Mendes, sou de Belo Horizonte, tenho 26 anos e tenho meu próprio estúdio desde 2014, que se chama Old Lines Tattoo Shop.
1 - Qual foi seu primeiro contato com a tattoo?
Eu não me lembro o quão nova eu era quando comecei a admirar a body art em geral. Naturalmente, devido a minha idade(e talvez gênero, na época) eu comecei a ter mais acesso ao mundo das modificações corporais através dos piercings. Aos 17 eu tive meu primeiro "emprego" em um estúdio e comecei a ter um contato direto com a prática em si. Não foi algo muito planejado, pois eu reconhecia que nem levava muito jeito pra desenho na época. Mas foi aos poucos rolando um interesse e uma curiosidade se eu poderia ou não ter uma chance nisso, eu realmente gostava muito desse meio e iria curtir trampar com isso pra sempre, mesmo que eu tivesse acabado de ingressar numa faculdade(nutrição) pra fazer algo que não tinha nada a ver com isso.
2 - Quando e como se iniciou? Teve algum mentor (a)? Se sim, quem foi?
Foi aí que eu me lancei (aos 18), independente mesmo, nessa tentativa. Eu comprei uma máquina (horrível) que nem era bem pra mim, mas com ela eu comecei a arriscar nos amigos, e disso foi surgindo oportunidades de praticar. Eu tive apoio dos meus pais que me apoiavam a tatuar no meu quarto mesmo, eu tinha uma maca e uma bancada do lado da minha cama e era isso. Quando eu vi já tinha bastante gente me procurando e eu fui deixando fluir, sem quase nenhum conhecimento, e sem nenhuma ajuda profissional.
3 - Em que ano começou a Tatuar efetivamente como profissional?
Eu postava meus aprendizados e evolução(lenta) no falecido orkut e por isso um amigo, que eu havia tido a oportunidade de trabalhar junto naquele primeiro “emprego” quando abriu sua própria loja, me convidou pra trabalhar com ele. Acho que essa foi a real maior oportunidade que alguém já me deu (além dos amigos cobaias, lógico), e eu sou grata a ele TODOS os dias por isso, Edinho Freitas <3 . A partir do dia que eu comecei no estúdio dele, ele me deu total liberdade e apoio. Ele realmente me tratava como alguém que já era profissional e foi por isso que um tempo depois eu já me conseguia ver dessa forma.
4 - Em que momento escolheu o Tradicional pra seguir?
Desde o início eu já tinha o entendimento de que o estilo que eu gostava era o tradicional, porém a informação e oportunidade pra pratica-lo era pequena. Por isso demorou um pouco até que eu pudesse ver que era esse o meu estilo de desenho livre. Eu fui fazendo e as pessoas começaram a me procurar por isso. Mesmo que até hoje eu faça vários outros estilos, eu gosto de me considerar uma artista de tattoo tradicional. São elas com as quais eu sempre fico mais satisfeita em postar no meu portfólio! :D
5 - Principais referências nacionais e internacionais?
Eu não sou aquela pessoa maaaaais apegada a ter alguém como referência, eu sempre tive medo de acabar virando uma releitura escrita daquele artista. Por isso eu sempre busquei referências em geral. Quem conhece meu trabalho vê que é um tradicional mais “fofinho”, menos duro, então eu acabo me identificando mais com esse tipo de artista, as vezes até mais neotradicional. Eu me introduzi na tattoo vendo o trabalho de artistas da minha cidade (que na época faziam neo tradicional) como os melhores daqui, eram o Alex Lazarini, o Edge, e o Junio Nunes. Na época eu via tattoo deles nas pessoas e ficava chocada de como poderiam ser tão incríveis. Foi com o tempo que aumentou a facilidade (instagram) em acompanhar o trabalho de artistas de fora. Hoje com a quantidade de artistas incríveis no Brasil e no mundo eu não consigo citar poucos como preferidos! :/ Mas vou citar algumas mulheres mesmo assim: Clare Clarity da Austrália, Kim Anh dos Países Baixos, Bruna Yonashiro de São Paulo, Jéssica O. de Blumenau, Avalon Todaro da Austrália, Becca Genné de NY...
6 - O que acha da cena tradicional no BR e como acha que podemos melhorar?
Eu acho que tem crescido muuuito, isso é bom porque temos mais visibilidade e mais pessoas(clientes) que se interessam pelo estilo. Ao mesmo tempo tem o lado negativo, porque tem muuuuita gente querendo ser tatuador do nada e acabam achando que tradicional é mais fácil, e ao mesmo tempo mais cool! >.<
7 - O que a tatuagem fez na sua vida no quesito profissional e pessoal?
Como eu comecei muito nova eu não precisei fazer uma grande mudança na minha vida profissionalmente pra me tornar tatuadora. Eu fiz um curso superior em outra área, mas quando eu me formei eu já estava bem estabelecida na minha carreira e então eu nem cogitei deixar de tatuar por isso. Já na minha vida pessoal, a tattoo praticamente tem as rédeas sob ela. Eu costumo dizer que é uma profissão desgastante, porque qualquer profissional é uma pessoa comum em horário não comercial, mas a gente não, a gente é tatuador em tempo integral. Nas festas, no supermercado, no parque, na rua, a gente é visto como tatuador o tempo todo por todas as pessoas. Isso é até chato as vezes, tem dia que eu queria poder sair da loja e ninguém me perguntar sobre tattoo até o dia seguinte… HAHA...
8 - Como você vê os profissionais do ramo da tatuagem nos dias de hoje?
Em sua opinião a cena atual esta fraca?
Existem dificuldades de crescimento na aérea?
Eu vejo o lado positivo e o lado negativo. Sem dúvidas os profissionais de hoje tem mais potencial à serem bem qualificados, desenham pra caralho, são artistas completos, tudo isso já muito novos. Devido ao acesso mesmo, acesso a informação, referencias, estudos, materiais, retorno financeiro. Tudo isso é bem mais acessível hoje em dia, o que deixa a gente mais capacitado. Em contrapartida essa acessibilidade faz com que qualquer pessoa possa se tornar um ˜profissional˜, é muita gente que ˜se nada der certo eu viro tatuador˜ né? Então acaba gerando muita merda também, todo mundo hoje quer ser aprendiz, quer ter 398247389274 seguidores, quer fazer seu estilo próprio(umas parada que não vão durar nem cinco anos) e as vezes sem humildade pra começar. Enfim, eu prefiro olhar pelo lado positivo porque eu sei o quanto deve ter sido difícil pra galera que não teve esse acesso, e ficar feliz pelas pessoas que estão tendo a oportunidade hoje de se tornarem profissionais fodas mais pra frente. A única coisa que me preocupa nessa mercado atual é mesmo essas tattoos que não tem durabilidade e a falta de conhecimento e orientação das pessoas em relação a isso. Eu nao tenho o que reclamar sobre o crescimento hoje, eu acho que eu peguei exatamente a transição entre a fase difícil e a fase mais fácil, mas eu consigo notar o quanto está cada dia mais fácil ter reconhecimento, inclusive como mulher nessa área.
E por fim, você acha que está faltando algo para melhorar e fortalecer a união no geral?
Eu acho que em nenhuma área existe união, só precisa existir respeito sabe? Eu não tenho mais essa ilusão de querer ser amiga de todo mundo. Eu já ouvi até que minha mãe (coitada) tinha aberto meu estúdio pra mim, já ouvi d+ que mulher que tatua ta ˜dando˜ pra tatuador, já inventaram que eu tinha falado mal de um tatuador que eu mega admiro aqui, que eu comprava resultado de convenção (socorro… huahsuahsuha), já ouvi que um tatuador(que eu babava ovo do trabalho) disse que eu me achava, mas a gente nunca tinha conversado. haha. São várias coisas meio tristes e decepcionantes. Mas conversando com pessoas de outras áreas eu acho que é em qualquer lugar, eu não culpo o mundo da tattoo por isso… Eu tenho um projeto que visa a troca de experiências entre mulheres tatuadoras da nossa cidade, e eu curto muito essa idéia!
9 - Acha que a desinformação sobre o estilo entre a população geral afeta diretamente o mercado?
Eu acho que tem melhorado muito, quando eu comecei as pessoas nem sabiam que existiam estilos de tattoo, hoje a galera ta muito mais informada quanto a isso e respeitam mais…
10 - Como e ser uma tatuadora numa cena aonde existe mais homens?
Na verdade se trata mais de como é ser mulher num mundo machista, haha… Como eu disse, quando eu comecei era beeem pior, hoje em dia eu nem sei mais qual foi a ultima vez que me perguntaram se meu marido era tatuador. AHAHHA… O machismo ele existe em qualquer mercado, qualquer lugar, qualquer espaço. Um espaço mais masculino piora, é claro, em forma de assédio ou não, isso não é uma exclusividade do mercado da tattoo. Mas deixando isso de lado eu só enxergo melhora no sentido de “vou fazer uma tattoo com uma tatuadorA”. Hoje a gente é vista, a gente é reconhecida, a gente é mais respeitada como artista(só como artista, como mulheres continua a mesma coisa haha) sem dúvidas. Hoje existe de fato a visibilidade pra existência de tatuadoras.
11 - Quais foram às situações que você passou, em relação a preconceito, machismo nesse ramo.?
Tirando as que eu citei a cima sempre tinha aquele comentariozinho escroto casual, mas que eu sofreria tatuando ou fazendo pão na padaria. Um único comentário mais marcante pra mim foi quando um cara disse pra outro que eu conhecia, que era bom tatuar comigo "porque eu ficava esfregando os peitos nele", foi a única vez que eu quis chorar e vomitar ao mesmo tempo. Eu quase sempre trabalhei com meu companheiro e isso me ajudava um pouco a não sofrer assédio, porque homem respeita homem né?! talvez se eu tivesse num ambiente menos ˜seguro˜ pra mim eu teria sofrido mais.
12 - Teria alguma historia ou situação que passou com algum cliente ou visitante no estúdio e que te marcou?
ah, acontece cada coisa louca em estúdio de tattoo que é sacanagem tentar lembrar uma só! Mas a situação mais louca foi a moça que deu um golpe muito bem elaborado na gente, ela foi com uniforme de trabalho de um lugar que ela nao trabalhava, marcou tattoo pra irma dela, deu telefones errados, passou o cartão e quando ele não autorizou ela disse que deixaria a bolsa lá e iria buscar o dinheiro no suposto lugar onde ela trabalhava, que era tipo do lado da loja. Ela nunca mais voltou, a gente tentou ligar no dia seguinte e quando a gente abriu a bolsa tinha um shampoo pra fazer peso dentro dela… hahahahahah… a irma nao existia, o pessoal do restaurante nunca tinha visto ela na vida, enfim, ela foi muito golpista profissional. hahahaha….
13 - Você já pensou em para de tatuar, se sim por qual motivo?
Nunca.
14 – O que você gostaria de dizer para quem esta pensando em se tornar um tatuador (a)?
Desenhe, desenho sempre, não tem nada mais bizarro e desonesto que tatuador que não desenha e copia as tattoo da gente.
15 - Deixe aqui uma Mensagem ou visão pessoal que queira passar adiante.
Ame, ame você, ame sua família, ame as mulheres, ame as minorias, ame os animais. E mude pra melhor todos os dias.